quarta-feira, abril 15

Ódios de Estimação

Lembro-me tão bem da minha primeira vez. Estava na festa de anos da Ana Isabel. Lembro-me de a ver entrar, olhá-la nos olhos e aperceber-me ali, naquele preciso instante algo a mudar em mim, lembro-me de dar comigo embasbacada a pensar: "Deus meu, como odeio esta tipa". E zás, num segundo decidi que ia odiá-la para sempre com todas as minhas forças. A personagem era a prima da dita Ana Isabel. Na altura eu tinha 7 anos, hoje tenho 25 e de cada vez que a vejo continuo a ter vontade de lhe fazer pinturas rupestres no focinho.
Claro que ao longo da vida fui coleccionando outros ódios de estimação, alguns são viscerais, outros são só porque sim. Por exemplo: grão cozido, pastilhas com sabor a canela, o Cláudio Ramos, os novos ricos, a Margarida Rebelo Pinto, políticos no geral ou o Paulo Portas em particular, criancinhas insolentes, a Scarlett Johansson, os betos de Cascais, as pessoas que dizem fizestes, pensastes, gostastes, cerveja, os nojentos dos gafanhotos, metrosexuais, a moda da depilação integral aos pipis e por último, mas não menos importante, karaoke.
Mas na verdade isto de se odiar algo, isto do acto de odiar, pode ser encarado como um desporto. Uns odeiam só ao domingo, outros, religiosamente todos os dias odeiam alguma coisa. O ódio é a Bimby das emoções. É fácil, barato, só não dá os milhões.
Há contudo uma subdivisão dos ódios, há escalas. De um lado temos os ódios grandes, os irados, os ódios revolucionários, os verdadeiramente apaixonados - ódios da maior utilidade possível, os que são protagonistas de todas as grandes mudanças que ocorreram no mundo , como a revolução dos cravos por exemplo, com o seu ódio ao fascismo; do outro lado, temos os ódios pequeninos - os tais de estimação, que existem mais numa vertente existencialista, focando-se na personalidade dos indivíduos numa espécie de "diz-me o que odeias e eu dir-te-ei-quem és".
É disso que se trata, saber quem é beltrano ou fulano em função daquilo que odeia. Nada de novo, aliás. Samba, toda a gente sabe que quem não gosta de samba..."bom sujeito não é. Ou é ruim da cabeça ou doente do pé. " Toda a gente sabe que quem não gosta de animais nem de crianças, boa pessoa não é. E eu não sei se toda a gente, mas eu pelo menos sei que não faz sentido não se gostar de queijo, tomate ou chocolate. Que não achar piada à lingua italiana é de uma falta de gosto inenarrável. Não achar que o Johnny Depp, o Brad Pitt, o Santoro e o Hugh Jackman são deuses do olimpo, é uma outra forma de cegueira. E por aí adiante.
Mas vá, os ódios de estimação. Sim, que sentido maior há neles? é simples. Os ódios fazem-nos companhia, distraiem-nos. E mais, têm a supra-função de nos proteger. E protegem-nos do quê? Protegem-nos não de todo o mal, mas de todo e qualquer tipo de marasmo, porque existem sempre planos a serem engendrados com base nas coisas que se odeiam. Concretizando: A aspirina nasceu do ódio de alguém à desculpa da dor de cabeça, o teste de ADN, do ódio ao carteiro.


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