quinta-feira, abril 9

A lei da compensação

Faço parte daquela parte da população que quando se senta a uma mesa para contar episódios engraçados da sua existência os outros resolvem levantar-se. Principalmente, se já tiverem comido a sobremesa. Não os culpo. Mas na tentativa de não me culpar a mim - o que seria desagradável, culpo os meus pais, por não terem sabido ensinar-me melhor.
Não fui eu que matei animaizinhos indefesos em pequena, nem que andava à estalada com os vizinhos, não era eu que tinha as quedas mais espectaculares e aparatosas, das que dão gosto contar depois. Nada, nunca era eu. Eram os meus irmãos. O máximo que consegui foi partir um jarrão enorme numas férias no Algarve. É o único episódio que é comentado. Isso e os meus desmaios, sempre fui muito dada a desmaios. O que aliás denota bem a minha veia dramática, porque me permite enfatizar a minha trágica existência, a sensibilidade à flor da pele.
De resto, ridículamente bem comportada. Na escola, o mesmo. Sempre os prémios de melhor comportamento. No liceu não fui mais esperta. Em vez de me poder começar a gabar dos rapazes que já tinha beijado, não, durante meses, o episódio mais emocionante que tive para partilhar, foi ter tido a minha casa assaltada enquanto tomava banho de porta aberta e ouvia música em altos berros.
Enfim. Mas e a culpa é dos pais porquê? Porque nos vêm com aquela treta de que as boas acções são sempre recompensadas. Que nos devemos comportar bem para sermos meninos bonitos. Ora a verdade nua e crua é que essa treta de sermos recompensados só foi verdade até à primária e pouco mais, em que se nos portávamos bem não eramos castigados, e como tal não nos era vetado o direito a gozarmos o recreio. De resto é das maiores mentiras que se contam (principalmente porque ninguém fica mais bonito por se comportar bem, e as pessoas mais interessantes são sempre as mais sacanas - perguntem aos homens ditos cabrões, há anos a construir reputação, e amplamente preferidos aos santinhos e bons samaritanos).
No campo do trabalho é a mesma coisa. As pessoas mais baldas e incompetentes são o quê? Precisamente. São recompensadas. Vão para casa a tempo e horas porque já sabemos que não servem para nada de qualquer forma; nunca lhes é pedido que salvem uma situação, porque não se espera nada brilhante da parte delas; não sacrificam fins de semana, nem têm de fazer directas. Nada. Um descanso. Ah, sim, as vozes dos que procuram serenar-nos vindo dizer que eles também nunca ganham muito dinheiro. O problema é que nem isso é verdade. Há muitos incompetentes pagos a peso de ouro que em momento algum seguram batatas quentes, descalçam botas ou têm de aprender a descascar abacaxis.
Agora, conlicença que vou ali desmaiar e já volto.

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