sexta-feira, maio 29

Tirar cafés

Tive uma colega na faculdade que dizia que não andava a estudar para depois ir tirar cafés. Não interessava que fosse estagiária ou estivesse em início de carreira, não o faria. Tirar cafés seria humilhar-se, rebaixar-se.

Nunca mais soube nada dela, ou do livro que lhe emprestei. Não sei quantos cafés terá tirado desde então, ou se os tirou - até porque ela fez o percurso inverso, e em vez de a chatearem para ir buscar café, chateia ela as pessoas ligando-lhes para casa em nome dos chatos do citibank. Mas lá está, cumpriu. Não tira cafés.

Tirar cafés é uma actividade mal vista. Pouco nobre, nada conotada com inteligência. Reles. Fácil. Ninguém precisa sequer de saber ler para carregar no botão certo. E eu confesso que também sempre pensei assim. Por Zeus, que ciência pode haver em tirar um café?
Por ironia do destino ou não, quem, como eu, se vê a braços com a gerência de uma cafetaria, mais tarde ou mais cedo, acaba por ter de tirar cafés. E parece que eu estava enganada, há realmente algo que distingue um café de outro.

Dizia-me uma cliente no outro dia - enquanto me parabenizava pelo café de 5 estrelas que lhe tinha servido, que ao contrário do que eu afirmava, não basta carregar no dito botão. Segundo ela, para conseguir um bom café, não basta seguir todas as intruções da máquina: colocar as quantidades exactas a serem utilizadas, obedecer aos procedimentos , seguir a ordem indicada; porque enquanto ela o faz, a filha - que a nada disto obedece, consegue sempre tirar um café infinitamente melhor que o dela. Quem tira faz a diferença, afirma. Sorrio e agradeço, mas convencida não fiquei.

Adiante. Nova cliente, desta feita é um galão que me pedem. Sirvo-lhe. Pede-me outro em seguida, "igual a este se faz favor, porque este estava tão bom". Franzo a testa. Estará tudo maluco? Repito, só carrego no botão. Junto café com água ou leite, nada mais.

Uma outra ainda, reclama a minha presença nas manhãs. Todas as manhãs. Quer que seja eu a servir-lhe o pequeno-almoço, diz que eu já sei como ela gosta do galão. As quantidades exactas do café, nem de mais nem de menos, a temperatura certa.

Encolho os ombros e rendo-me às evidências, ok, parece que sim, que há diferenças, e parece que sim sou boa a tirar cafés. Será que serve para me enaltecer o CV?



sábado, maio 23

O mundo é um bidé

Ando virada para as modernices. Não quis ficar atrás da Alberta Marques Fernandes, e pimbas, vai de criar conta no twitter. Ela recebeu o tal hambúrguer, mas eu estava a ver se me safava com um televisor ou uma cómoda do ikea - que são coisas que até me estão a fazer alguma falta.

Entre blogs, twitter, facebook e mails, desdobro-me numa esquizofrenia electrónica, e à boa maneira pessoniana, continuamente sou eu e continuamente me estranho.

No facebook - a melhor fonte de testes parvos do planeta, adicionei há tempos um colega da primária. Só porque sim. Porque de lá para cá não troquei uma única palavra com ele. Mas está lá, a fazer número. E no outro dia, tive de aceitar meio a contragosto, o pedido de amizade de um ex namorado - o que é uma chatice, porque honestamente quem é que quer andar a seguir ex-namorados?! Ainda para mais quando foram daqueles de quem nos custámos a livrar.

Mas o facto é que estamos cercados. Toda a gente se conhece neste quintal à beira mar plantado. Ou conhece alguém que por sua vez nos conhece a nós. Não é de admirar que nunca, mas nunca, tenha conhecido alguém verdadeiramente novo através destas redes sociais. E os tarados não contam, porque esses são logo bloqueados. Andamos sempre a tropeçar nas mesmas pessoas. Se não soubesse melhor, diria que o planeta terra é na verdade uma qualquer caderneta em que nos saem sempre os mesmos cromos e onde ninguém tem novos para a troca.


Este pensamento aborrece-me de morte. Vem-me à memória aquele filme em que o Bill Murray vive vezes sem conta o mesmo dia, o Groundhog Day ou a aldeia global do Marshall McLuhan. Nem na Conchichina se consegue escapar.

Uma pessoa, que a dada altura conheça alguém com quem não vá à bola, e que por acaso - num daqueles autoclismos de consciência libertadores, lhe calha a dizer das poucas e boas, habilita-se mais tarde ou mais cedo a reencontrá-lo. Como chefe, colega de trabalho, administrador de condomínio, como dentista ou pior ainda, como ginecologista.

Claro que nem tudo é mau. O twitter, por exemplo, permite-me entabelar conversações com o Ashton Kutcher, e isto, até há bem pouco tempo atrás seria praticamente impossível.

segunda-feira, maio 18

Estive a pensar e cheguei à conclusão que levo já uns 16 anos de "carreira" nisto de ser taberneira. O meu avô paterno tinha uma daquelas metade mercearia, metade taberna, em que tudo se pedia ao balcão, desde 1kg de açucar, a tripas de porco. Do alto dos meus nove anos de idade, consta que era especialmente boa a engrupir velhos. Vendia-lhes de tudo, mas o meu forte mesmo eram umas rifas que as pessoas compravam para ver se lhes saíam prémios tão catitas como relógios de parede ou canivetes suiços. Isso e bolachas. Também vendia muitas bolachas.

Consta ainda que era uma cusca do piorio. Dava conversa às pessoas e perguntava-lhes de tudo um pouco - em cinco minutos ficava a saber as árvores genealógicas daquela gente toda. Escusado será dizer que este traço da minha personalidade causou alguns embaraços aos meus progenitores.

Desde que virei taberneira, este lado, esta lata, voltou como que por magia. Tenho muita lata. Mas da boa. Não impinjo nada a ninguém, muito menos falo bem de um produto se não gostar dele. Nem sempre me corre bem, mas acima de tudo, procuro não me impôr, não ser inconveniente. Mas no geral, acho que me posso gabar de saber ler bem as pessoas. Equilibro sensibilidade com simpatia e sentido comercial. Sei ver quem está ali para não ser incomodado, e quem, se pudesse, nos contava a vida toda.

A lata é no fundo uma arma. A minha arma. Uso-a, quer para me esquivar a perguntas pessoais, quer para evitar os desagradáveis silêncios que se instalam entre as pessoas. Antecipar-me ao outro, permite-me não responder a perguntas pessoais de qualquer espécie. Centra-se a atenção nos outros e nós passamos despercebidos. Quanto aos silêncios, detesto-os. Esmagam-me. Digo qualquer disparate, só para não sentir o seu peso.


quarta-feira, maio 6

O mundo divide-se entre as pessoas que dizem café e as que dizem cafézinho. Tristemente, ando a resvalar para o segundo grupo. Um funcionário meu pegou-me essa mania de tanto que ele repete "é um cafézinho?". Mas podia ser pior. Felizmente ainda não me deu para dizer bolinho, suminho e outros inhos que tal.

Tenho aprendido também, que não se deve dizer: "é mais uma cerveja?", sob pena de se ofender os bêbedos. Em matéria de bebidas alcoólicas, mais é palavra proibida. Mas se for mais um café, já se pode. O que me leva a outro assunto, ou ao assunto. O eco.

Nos cafés e coisas que tal, repete-se muito o que os clientes pedem, o que eles nos dizem. Tem lógica, se pensarmos que estamos a ajudar o cérebro a registar os vários pedidos que nos são feitos, a memorizar. E eu já dispenso bem o bloco de notas, quando dantes era impossível viver sem ele. Estou muito mais ágil em termos de memorização. Mas felizmente não vou tão longe como uma funcionária minha, que não só conhece as pessoas em função dos pedidos que eles lhe fazem, como às vezes inicia conversas comigo do género: " sabes o senhor da mesa 12, o que pediu pão torrado e um sumo de laranja, e a mulher pão aparado, torrado só de um dos lados e o filho não comia queijo porque era alérgico, sabes?" - e eu digo que não, e ela diz-me: "esqueceu-se cá de uma coisa", ou "ele gostou muito das nossas empadas de galinha. "

Mas dizia eu, o eco. Se excluirmos este pormenor da memória, esta coisa de repetirmos as últimas palavras dos nossos clientes é profundamente irritante, porque das duas uma, ou parecemos um bando de gente surda que não ouve nada à primeira, ou um bando de maluquinhos que repete tudo o que os outros dizem. O próprio sufixo inho presente no cafézinho e no obrigadinho (eu ainda não estou neste nível, no nível do obrigadinho) é no fundo um eco, prolonga a palavra, perpetuando-a por mais tempo no espaço.

Mas se o eco ainda se engole, esta coisa do inho, para além de parvo, acaba por parecer uma forma de gozo ou desrespeito para com o cliente, porque os diminuitivosinhos são coisa de bébés. De bébés, ou de namorados. E eu não quero que nenhum cliente se atire para o meu colinho.