segunda-feira, março 23

Ignorância - a melhor das santas

Cogito, ergo sum. Ou, por outras palavras: penso, logo existo. Na veracidade desta frase de Descartes começam todas as nossas dores de cabeça.
O problema nem é tanto existir, mas sim o facto de pensarmos. Pensar é um desperdício de tempo. Coçar a micose - um acto tão mal visto entre nós, ao menos tem o propósito de aliviar a comichão, já pensar, pode ser perigoso. Nunca se sabe o que pode acontecer depois disso.
Durante anos os homens tentaram proteger as mulheres desse acto nefasto, oferecendo-lhes vassouras em vez de livros. Porque sabiam que com as vassouras o chão aparecia limpo, ao passo que com os livros elas começavam a desejar coisas - e ter desejos dá um tipo de comichão muito mais dificil de resolver que a comichão das micoses. Ao inicio talvez desejassem apenas um aspirador, ou mais tarde uma empregada a dias, mas no fim acabavam por concluir que um outro homem é que as satisfazia realmente, e isso causou alguns problemas.
Ora, se só podemos pensar naquilo que conseguimos de algum modo concretizar, defendo que quanto mais desconhecermos ou ignoramos, mais felizes seremos. Um corno por exemplo, será feliz uma vida inteira se nunca lhe disserem nada. Um pobre será feliz se não souber que pode ter mais dinheiro, o tipo que vai para a praia torrar todo o dia, será feliz se não se lembrar do cancro de pele, e por aí a fora.
E se é verdade que a ignorância pode contribuir em muito para a nossa felicidade, também é verdade que é uma arma fortíssima para atingirmos um estado zen de paz espiritual - pelo menos se, como eu, se trabalhar atrás de um balcão.
Ignoro mexericos (os que não me interessam para nada), ignoro os clientes mal educados (ofendo-os mentalmente), ignoro os tipos asquerosos que se fazem a mim, tento ignorar os bonzões que causam taquicardias, ignoro os funcionários (mas às vezes apetece-me partir-lhe os bracinhos), ignoro.
Só vou aos arames é se me ignoram a mim.