segunda-feira, abril 27

Isto não sai daqui

Já perdi a conta à quantidade de vezes que alguém me contou alguma coisa pedindo que aquilo não saísse dali, que não contasse a ninguém. O problema é que sai sempre, ou quase sempre. Eu própria já fiz o mesmo, pedi que não saísse dali e tenho a certeza que saiu. É uma espécie de acordo tácito. Dizemos aquilo para que a pessoa não espalhe aos quatro ventos o que lhe vamos contar, dizemos isso, sobretudo, para que não espalhe às pessoas focadas ou a elas relacionadas. Dentro da medida do possível, tenta-se que o conteúdo da nossa mensagem não tenha livre-trânsito para todos os ouvidos. De resto, estou convencidíssima que aquilo que não queremos realmente que saia dali, só contamos a nós próprios.

quarta-feira, abril 15

Ódios de Estimação

Lembro-me tão bem da minha primeira vez. Estava na festa de anos da Ana Isabel. Lembro-me de a ver entrar, olhá-la nos olhos e aperceber-me ali, naquele preciso instante algo a mudar em mim, lembro-me de dar comigo embasbacada a pensar: "Deus meu, como odeio esta tipa". E zás, num segundo decidi que ia odiá-la para sempre com todas as minhas forças. A personagem era a prima da dita Ana Isabel. Na altura eu tinha 7 anos, hoje tenho 25 e de cada vez que a vejo continuo a ter vontade de lhe fazer pinturas rupestres no focinho.
Claro que ao longo da vida fui coleccionando outros ódios de estimação, alguns são viscerais, outros são só porque sim. Por exemplo: grão cozido, pastilhas com sabor a canela, o Cláudio Ramos, os novos ricos, a Margarida Rebelo Pinto, políticos no geral ou o Paulo Portas em particular, criancinhas insolentes, a Scarlett Johansson, os betos de Cascais, as pessoas que dizem fizestes, pensastes, gostastes, cerveja, os nojentos dos gafanhotos, metrosexuais, a moda da depilação integral aos pipis e por último, mas não menos importante, karaoke.
Mas na verdade isto de se odiar algo, isto do acto de odiar, pode ser encarado como um desporto. Uns odeiam só ao domingo, outros, religiosamente todos os dias odeiam alguma coisa. O ódio é a Bimby das emoções. É fácil, barato, só não dá os milhões.
Há contudo uma subdivisão dos ódios, há escalas. De um lado temos os ódios grandes, os irados, os ódios revolucionários, os verdadeiramente apaixonados - ódios da maior utilidade possível, os que são protagonistas de todas as grandes mudanças que ocorreram no mundo , como a revolução dos cravos por exemplo, com o seu ódio ao fascismo; do outro lado, temos os ódios pequeninos - os tais de estimação, que existem mais numa vertente existencialista, focando-se na personalidade dos indivíduos numa espécie de "diz-me o que odeias e eu dir-te-ei-quem és".
É disso que se trata, saber quem é beltrano ou fulano em função daquilo que odeia. Nada de novo, aliás. Samba, toda a gente sabe que quem não gosta de samba..."bom sujeito não é. Ou é ruim da cabeça ou doente do pé. " Toda a gente sabe que quem não gosta de animais nem de crianças, boa pessoa não é. E eu não sei se toda a gente, mas eu pelo menos sei que não faz sentido não se gostar de queijo, tomate ou chocolate. Que não achar piada à lingua italiana é de uma falta de gosto inenarrável. Não achar que o Johnny Depp, o Brad Pitt, o Santoro e o Hugh Jackman são deuses do olimpo, é uma outra forma de cegueira. E por aí adiante.
Mas vá, os ódios de estimação. Sim, que sentido maior há neles? é simples. Os ódios fazem-nos companhia, distraiem-nos. E mais, têm a supra-função de nos proteger. E protegem-nos do quê? Protegem-nos não de todo o mal, mas de todo e qualquer tipo de marasmo, porque existem sempre planos a serem engendrados com base nas coisas que se odeiam. Concretizando: A aspirina nasceu do ódio de alguém à desculpa da dor de cabeça, o teste de ADN, do ódio ao carteiro.


quinta-feira, abril 9

A lei da compensação

Faço parte daquela parte da população que quando se senta a uma mesa para contar episódios engraçados da sua existência os outros resolvem levantar-se. Principalmente, se já tiverem comido a sobremesa. Não os culpo. Mas na tentativa de não me culpar a mim - o que seria desagradável, culpo os meus pais, por não terem sabido ensinar-me melhor.
Não fui eu que matei animaizinhos indefesos em pequena, nem que andava à estalada com os vizinhos, não era eu que tinha as quedas mais espectaculares e aparatosas, das que dão gosto contar depois. Nada, nunca era eu. Eram os meus irmãos. O máximo que consegui foi partir um jarrão enorme numas férias no Algarve. É o único episódio que é comentado. Isso e os meus desmaios, sempre fui muito dada a desmaios. O que aliás denota bem a minha veia dramática, porque me permite enfatizar a minha trágica existência, a sensibilidade à flor da pele.
De resto, ridículamente bem comportada. Na escola, o mesmo. Sempre os prémios de melhor comportamento. No liceu não fui mais esperta. Em vez de me poder começar a gabar dos rapazes que já tinha beijado, não, durante meses, o episódio mais emocionante que tive para partilhar, foi ter tido a minha casa assaltada enquanto tomava banho de porta aberta e ouvia música em altos berros.
Enfim. Mas e a culpa é dos pais porquê? Porque nos vêm com aquela treta de que as boas acções são sempre recompensadas. Que nos devemos comportar bem para sermos meninos bonitos. Ora a verdade nua e crua é que essa treta de sermos recompensados só foi verdade até à primária e pouco mais, em que se nos portávamos bem não eramos castigados, e como tal não nos era vetado o direito a gozarmos o recreio. De resto é das maiores mentiras que se contam (principalmente porque ninguém fica mais bonito por se comportar bem, e as pessoas mais interessantes são sempre as mais sacanas - perguntem aos homens ditos cabrões, há anos a construir reputação, e amplamente preferidos aos santinhos e bons samaritanos).
No campo do trabalho é a mesma coisa. As pessoas mais baldas e incompetentes são o quê? Precisamente. São recompensadas. Vão para casa a tempo e horas porque já sabemos que não servem para nada de qualquer forma; nunca lhes é pedido que salvem uma situação, porque não se espera nada brilhante da parte delas; não sacrificam fins de semana, nem têm de fazer directas. Nada. Um descanso. Ah, sim, as vozes dos que procuram serenar-nos vindo dizer que eles também nunca ganham muito dinheiro. O problema é que nem isso é verdade. Há muitos incompetentes pagos a peso de ouro que em momento algum seguram batatas quentes, descalçam botas ou têm de aprender a descascar abacaxis.
Agora, conlicença que vou ali desmaiar e já volto.

quinta-feira, abril 2

O Estado ama-me

Estava a ver que não. Fomos finalmente assaltados! E em grande estilo. Tamanho aparato, nem quando a Madona cá esteve. Ainda pensei chamar a polícia, mas eles estavam ocupados a escoltar os ladrões - que bem precisam de protecção, uma vez que como todos nós sabemos, viram a precaridade das suas condiçõs de trabalho aumentar exponencialmente depois que o acesso ás armas de fogo foi, por assim dizer, facilitado.

O chefe do gang, quanto a mim é que foi mal escolhido. Era meio caga tacos. Não tinha mais que 1.50m e tinha tomates do tipo chery, que lhe causava um problema de défice de atenção e focagem, fazendo com que não me conseguisse olhar nos olhos, coitado. Eu sempre ouvi dizer que é de bom tom mostrarmos respeito e carinho enquanto fodemos os outros, mas às vezes é problema de saúde e não de carácter. Compreende-se.

Agora não lucraram lá muito. O roubo, em principio nao deve ir alem dos 500€ e a dividir por aquela gente toda, é coisa que não paga nem um jantar no Tavares, o Rico.

Aqui há tempos disseram-me que comprasse um sapo para me proteger dos ciganos. Não sei bem porquê, mas eles não entram em sítios que tenham sapos - vivos, de loiça, etc, desde que sejam sapos - não gostam. Mas agora, para me defender dos tipos das Finanças não sei bem o que tenho de comprar. Não tenho o telefone do Isaltino, muito menos dos sobrinhos da suiça. A Fatinha estava no salão a fazer madeixas e o tio do BCP acho que ia agora para o Brasil. Não sei quem me há-de valer sinceramente.

Estes tipos são lixadíssimos. Não sabem relaxar, e por mais que a gente lhes dê - e Deus bem sabe que damos muito, nunca ficam contentes. Por isso é que os papalvos que vão para ministros nunca querem ficar com a pasta que a Manuela Ferreira Leite tão bem defendeu e representou. É que pastas frígidas dão o dobro do trabalho, e por mais pinos e cambalhotas que se dê para tentar levar as coisas a bom porto, do rótulo de incompetentes já não se livram. Nem mesmo o esforço que fazem lhes é reconhecido.

Se formos a ver, as finanças são como aquelas tipas ou tipos frustradissimos na vida, que depois, têm como único consolo do redondo falhanço que é a sua existencia, tentarem tornar a existência dos outros igualmente patética. E nem é bem isto. No fundo é puro altruísmo, gostam de dar o que de melhor têm. São antes generosos na retribuição da sua frustração pelos outros. é isso.

Para me safar disto, e fugir a esta máfia organizada, ainda podia ver se subornava alguém. Mas já vi que ia ser complicado, tudo gente invejosa. Teria que subornar logo mais dois ou três. Ficava-me na mesma quantia, ou mais ainda. Por isso tive uma ideia melhor. Acho que vou criar uma daquelas correntes via e mail que os portugueses tanto gostam e que até parece resultar. daquelas que se criam para ajudar fulano com cancro, ou fulana cujo filho tem uma doença esquisita. Desde que as pessoas se identifiquem com a causa, tenham pena do sofrimento dos outros, e vejam que há falta de apoios, é certo e sabido que aderem.
Acho que vou ter sucesso.

quarta-feira, abril 1

Chefe mas pouco

Em Portugal há um ditado que reza o seguinte: "patrão fora, dia santo na loja". Trocado por miúdos, significa basicamente que quando o chefe se ausenta, estica-se a preguiça entre as 9h e as 17h, e empurra-se o trabalho com a barriga.
A motivação é matéria prima escassa por terras lusas. Normalmente recorremos à importação. Mas percebe-se. Somos um povo fatalista, povo do fado, um povo que sofre, que é sensível, e que , ao contrário do que se possa pensar, é profundamente existencialista. Não somos como os outros, não. Nós questionamos muito mais que o sentido da vida. Questionamos: "porque me hei-de levantar de manhã?, porque é que hei-de limpar algo que se vai sujar outra vez, porque me hei-de esforçar mais? qual o sentido disso, qual o objectivo? aonde me leva?". Enternecedor.
Mas ambiciosos, isso somos. Desde que não dê muito trabalho, batemos todos os rankings em ambição. Desde a Dr.ª Lurdes, empregada doméstica, casada com afamado canalizador, e que ambiciona ser 1ª dama, comportando-se como tal todos os dias (só para treinar); passando pela Drª Sofia - uma Educardora de Infância que trabalha umas boas 3 horas por dia, e cujo grande sonho é pertencer ao jet set, para ser importante a valer e lhe oferecerem umas maminhas novas como as da Maya; terminando no Dr.º Ricardo, que serve hámburguers no Macdonalds, é feio de verdade e que sonha vir a substituir o Hefner na mansão da playboy, trocando os bifes por mónicas sofias.
Mas o maior sonho de todos, o mais acalentado por todos é mesmo ser patrão. Mandar nalguma coisa. Isso é que era. Trabalhar só quando nos apetece, ter montes de dinheiro, mandar os outros fazer o que não gostamos, ser automaticamente respeitado, em suma: subir na vida.
Eu já subi na vida. Por isso agora o que eu gostava mesmo era aquela parte de fazer só o que eu quisesse, de mandar os outros fazerem o que eu não gosto, e principalmente aquela parte do ter montes de dinheiro. Era bem catita!