quinta-feira, outubro 1

Emanuel

Trato-o por você. "Bom dia, diga." E ele também não se descai. "Um café".
Hoje, ao devolver-lhe o troco, a sua mão sapuda roçou na minha. Era macia.
O Emanuel foi meu vizinho. É um homem não bonito, mas talvez exagere se disser que é feio. Nunca gostei dele. Achava-o parvo. Muito parvo. E herdou dos pais a antipatia congénita. Terá pelo menos mais uns 7 anos que eu. Talvez mais. Acho que tem uma filha. Nunca vi. E namora uma brasileira.
Tem a mania de se sentar ao balcão. Fica ali pertinho. Mesmo quando vai buscar o jornal do dia para ler. Irrita-me.
Volta não volta, resolve chegar mesmo quando decido ir tomar o pequeno almoço, e senta-se frente à minha caneca de capuccino que fumega no mesmo compasso em que o meu estômago ronca. E o cretino ali, demorando-se.
Ás vezes, só para o destabilizar tenho vontade de lhe dizer:" escuta lá, sabes que a tua foi a primeira pila que vi?" E foi. Estávamos todos cá fora a brincar. O Emanuel trazia uns calçoes brancos. Armado ao pingarelho resolve empoleirar-se no muro. Preguiçoso, nem vestira cuecas. A dita esgueirou-se para fora, como que a espreitar o mundo.
Aos cinco anos de idade fui confrontada com aquela visão horrorosa. Primeiro ri-me - como os outros, perante o espectáculo de marionetes forçado. Mas lembro-me bem: achei-a feia. Pedaço de carne mal amanhado. Depois fiz um esgar de nojo pior ao que fazia sempre que a minha mãe me dava grão cozido ao almoço. Com bacalhau.
Entretanto, cresci. E algumas coisas mudaram.
O Emanuel, nem por isso.

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